Em 2015, as Nações Unidas aprovaram uma agenda comum universal, definindo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com a visão de erradicar a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar de todos e proteger o meio ambiente até 2030.
Hoje, são várias as evidências do risco da não realização destes Objetivos, e em concreto o do ODS 2 (Erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição). O relatório anual das Nações Unidas sobre “O estado da segurança alimentar e nutricional no mundo” (SOFI), de 2019, indica que o número de pessoas a passar fome aumentou nos últimos 4 anos (cerca de 820 milhões de pessoas) ao mesmo tempo que a obesidade e as doenças relacionadas com a má alimentação têm-se tornado numa epidemia mundial, afetando inclusive crianças em idade escolar (cerca de 830 milhões de pessoas). Além disso, uma em cada 4 pessoas encontra-se em insegurança alimentar, condição que afeta mais fortemente as mulheres.
A relação entre a forma como produzimos alimentos, o problema das alterações climáticas, as questões da pobreza no meio rural e da segurança alimentar, são preocupantes e impõem a necessidade de uma transformação dos sistemas de produção e alimentares globais. Reunidos em Idanha-a-Nova, Portugal, de 17 a 20 de julho de 2019, no Fórum Internacional Territórios Relevantes para Sistemas Alimentares Sustentáveis (FISAS), os e as representantes dos governos, da sociedade civil, do setor privado, do poder local e das universidades e instituições de investigação presentes, reconhecem os avanços já obtidos no âmbito da Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP, nomeadamente os acordos da “Carta de Lisboa” (2018) sobre agricultura familiar e desenvolvimento sustentável, e acentuaram a necessidade da aplicação prática destes compromissos, que se tornam tanto mais urgentes quanto mais se sentem os impactos das alterações climáticas e os efeitos sobre a saúde pública decorrentes da má nutrição.
Assim, os e as participantes no FISAS afirmam a necessidade de promover ativa e urgentemente uma transição para sistemas alimentares sustentáveis e equitativos. Esta transição passa pela proteção e melhoria das condições de vida em meio rural, com o reconhecimento e valorização da agricultura familiar; a equidade e o bem-estar social das populações rurais e urbanas; a promoção dos direitos das mulheres; maior resiliência de pessoas, comunidades e ecossistemas; conservação, proteção e melhoria da eficiência no uso de recursos naturais.
Destacam:
Os 50 compromissos para a Bio-Região de Idanha-a-Nova apresentados pelo Município de Idanha-a-Nova, o trabalho realizado na promoção da agricultura sustentável pelo Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento pelo trabalho realizado na promoção da agricultura sustentável, assim como agradecem a hospitalidade recebida; O empenho e o trabalho realizado em prol do combate à má nutrição e da promoção de sistemas alimentares sustentáveis na CPLP e no mundo, pelo Professor José Graziano da Silva enquanto Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); O trabalho do escritório da FAO em Portugal e junto da CPLP, designadamente pelo dinamismo e apoio à realização do FISAS, bem como o apoio do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA); A iniciativa do governo de São Tomé e Príncipe em sediar o Centro de Competências para a Agricultura Familiar Sustentável da CPLP e promover a construção de conhecimentos, intercâmbios e capacitação em agroecologia entre os países membros; Os votos de solidariedade ao povo de Moçambique, pelos impactos nefastos do ciclone Idai, e a Angola, pela severa seca vivenciada no sul do país, pelos fenômenos extremos decorrentes das alterações climáticas; e destacam ainda:
- A contribuição da agricultura familiar e das comunidades rurais como produtoras de alimentos sustentáveis, promotoras de expressões culturais, sociais e de bens públicos que devem ser protegidos e promovidos mediante a construção de redes de intercâmbio de conhecimentos e de valorização desse patrimônio alimentar e cultural;
- O papel da agroecologia, cada vez mais reconhecido, nas suas múltiplas dimensões e abordagens (científica, sociocultural, econômica e ecológica), como resposta aos processos de transição alimentar face aos crescentes desafios que se colocam aos agricultores familiares, à proximidade entre produção e consumo, à participação efetiva das mulheres e à governança dos bens comuns;
- A necessidade de alargar e aprofundar o debate sobre a agroecologia, nomeadamente através de ações de sensibilização, aquisição de competências e do estabelecimento de políticas públicas;
- A necessidade de esclarecer e construir capacidades dos governos, a nível nacional, regional e local, para formular, implementar, monitorar e avaliar políticas e programas sensíveis à nutrição;
- A importância da promoção de circuitos curtos agroalimentares, valorizando a produção local e criando mais riqueza nos territórios;
- A importância de promover a literacia alimentar e a consciencialização da importância da produção local e sustentável para acelerar a mudança em curso nas
preferências dos consumidores;
- O papel central das agricultoras familiares para a conservação, promoção e dinamização dos sistemas alimentares sustentáveis, destacando-se o seu protagonismo nesta transição e a sua relevância enquanto guardiãs da biodiversidade através dos seus conhecimentos tradicionais;
- A necessidade da igualdade de gênero com políticas públicas de discriminação positiva, incluindo o estímulo à participação das mulheres e agricultoras familiares nos espaços de governança e de tomada de decisão;
- A importância dos Estados-Membros da CPLP criarem quadros institucionais e legais para o apoio ao Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM), de forma a promover a preservação dinâmica da agrobiodiversidade e a valorização dos conhecimentos tradicionais;
- A integração de ações nacionais, regionais e internacionais de conservação da diversidade biológica nos setores agrícolas, contribuindo, assim, para a proteção e promoção da biodiversidade e conhecimentos tradicionais associados;
- A construção de intercâmbios e a partilha de conhecimentos entre os vários atores relevantes da CPLP como plataforma para monitorização da biodiversidade agrícola associada à iniciativa SIPAM-CPLP;
- A relevância da construção e consolidação de processos e programas de cooperação triangular para a implementação da iniciativa SIPAM-CPLP entre a FAO, Portugal, países da CPLP e China; A metodologia proposta pelo Mecanismo para Facilitação da Participação da Sociedade Civil no CONSAN-CPLP para a iniciativa SIPAM na CPLP, baseada numa abordagem de direitos, que confere centralidade às agricultoras e agricultores familiares e camponeses nos mecanismos de governança dos mesmos;
- As experiências das Bio-Regiões que fornecem recomendações de políticas e de coconstrução de conhecimento para fortalecer a realização dos ODS, da Década da Agricultura Familiar das Nações Unidas e da implementação da Estratégia de Segurança Alimentar e Nutrição da CPLP;
- A metodologia inovadora das bio-regiões que adota uma inversão de prioridades: da competição económica à sustentabilidade eco-ambiental, saúde para todos, combate à pobreza e segurança alimentar e soberania alimentar, através da implementação de sua abordagem territorial sustentável integrada, que favorece um ciclo virtuoso de colaboração territorial entre todos os atores na economia circular verde;
- A importância de concretizar ações de cooperação e articulação sinérgica entre a
iniciativa SIPAM-CPLP e a iniciativa das Bio-Regiões, iniciadas com a assinatura, neste evento, do Memorando de Entendimento entre a ACTUAR e o INNER, visando a promoção de sistemas alimentares sustentáveis e dietas saudáveis na CPLP;
- A necessidade de criar políticas públicas locais e nacionais promotoras de condições favoráveis à organização dos produtores e consumidores, facilitando o acesso a mercados, a ferramentas de promoção e a valorização dos produtos;
- A importância de mobilizar e rentabilizar recursos já existentes dos municípios para a criação de serviços na área do consumo alimentar coletivo, com base na produção local, gerando empregabilidade e a valorização dos recursos endógenos;
- O potencial da cultura e da identidade do território como veículo para a realização
de ações de sensibilização e participação dos atores locais na construção de sistemas alimentares sustentáveis resilientes às alterações climáticas;
- A importância de se promover uma agenda de investigação participativa e inclusiva, bem como de reformulação dos currículos letivos e investigação acadêmica para a valorização da agricultura familiar e da agroecologia;
- A necessidade do reforço das estruturas e dos programas nacionais e locais de apoio técnico e extensão rural à agricultura familiar e às comunidades rurais;
- A necessidade de incrementar a inovação tecnológica adaptada às diferentes realidades agroflorestais, aprofundando e valorizando, de modo dinâmico, os conhecimentos tradicionais, visando garantir o incremento dos rendimentos dos agricultores e agricultoras familiares;
- A importância de criar um quadro institucional adequado para apoio à disseminação de sistemas de garantia participativa da qualidade dos produtos da agricultura familiar;
- A importância de adequar os quadros regulamentares da contratação pública de forma a permitir canalizar recursos financeiros para a aquisição de alimentos sustentáveis provenientes da agricultura familiar e de produções de proximidade e
que contribuam para a melhoria da dieta alimentar do conjunto da população;
Tendo em consideração o apresentado anteriormente, os e as participantes no FISAS consideram princípios fundamentais a considerar na formulação de políticas públicas e programas visando a promoção de sistemas alimentares territoriais sustentáveis e dietas saudáveis:
1– Coerência, coordenação e alinhamento Importa reconhecer a prioridade que deve ser dada a intervenções territoriais coerentes, coordenadas e alinhadas, de forma a aumentar a sua eficácia. Estas intervenções e seus planos de ação devem resultar de pactos territoriais e planos de ação multi-atores e participativos.
2 – Abordagem territorial
Importa desenvolver políticas públicas para a segurança alimentar e nutricional que promovam a transformação dos sistemas alimentares a nível local, em linha com os ODS e uma abordagem de direitos. Estas políticas locais, com caráter intersetorial, devem promover pactos e planos multi-atores para a promoção de sistemas alimentares sustentáveis e dietas saudáveis.
3– Participação social e governança
Importa operacionalizar mecanismos formais nos vários níveis territoriais para garantir a participação social plena e transparente na formulação das políticas e programas para a segurança alimentar e nutricional. Prioridade e apoio devem ser dados para a participação de mulheres e jovens.
4– Agroecologia como abordagem central
Importa reconhecer a centralidade da agroecologia enquanto ciência desenvolvida a partir de dimensões sociais, económicas, políticas, científicas e ecológicas, e sua integração com o conhecimento e as práticas ancestrais dos produtores familiares de alimentos, como a abordagem indispensável para transformar os sistemas agroalimentares.
Por último, os e as participantes recomendam a transmissão e difusão destas Conclusões, pelas vias adequadas, aos vários órgãos de decisão local, nacional e internacional, incluindo a próxima III Reunião Ordinária do CONSAN-CPLP que se realizará em Angola, em 2020, por ocasião da XII Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP.